Proposta de Diretiva relativa ao Dever de Diligência das Empresas e a Responsabilidade Empresarial

Sobre as autora: A Ana Duarte é aluna do Mestrado em Direito e Gestão da NOVA School of Law. É licenciada pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e frequentou uma Pós-Graduação Avançada em Direito Societário. Desde 2020 que faz parte da equipa de Projectos Educativos da HeForShe Lisboa e tem vindo a trabalhar em projectos relacionados com a igualdade de género, como “WeForEducation” e “Mentoring The Future”. Para além disto, a Ana tem como principais áreas de interesse as áreas de Responsabilidade Social das Empresas e Finanças Empresariais Sustentáveis.

 

 

A 10 de março de 2021 o Parlamento Europeu aprovou, por uma larga maioria (504 votos a favor, 79 contra e 112 abstenções), uma resolução com um conjunto de recomendações dirigidas à Comissão Europeia para uma futura diretiva sobre o tema do Dever de Diligência das Empresas e a Responsabilidade Empresarial (1). Este foi um avanço importante neste processo legislativo, que surge na sequência de um anúncio feito pela Comissão Europeia, com base num estudo sobre os requisitos de diligência devida nas cadeias de abastecimento (2), de que apresentariam uma proposta legislativa a este respeito em 2021.

Pretende-se com este instrumento garantir um modelo de conduta empresarial responsável e uma resposta a riscos atuais e potenciais  em matérias de Direito Humanos, Ambiente e Governação, que incuta o respeito por essas matérias, mas também que se assegure a responsabilização das empresas que tenham uma atuação não sustentável. Neste sentido, é estabelecido um dever de diligência nas cadeias de valor das empresas abrangidas, de modo a “impedir a ocorrência de efeitos negativos nos direitos humanos, no ambiente e na boa governação” (3) e garantir “uma resposta apropriada a esses efeitos negativos quando ocorram” (4). Para tal, será essencial que as empresas sujeitas a esta diretiva “identifiquem, avaliem, previnam, cessem, atenuem, controlem, comuniquem, contabilizem, abordem e corrijam os efeitos negativos, potenciais e/ou reais” (5).

A proposta de Diretiva apresentada pelo Parlamento visa ser aplicada a “grandes empresas regidas pelo Direito de um Estado-Membro ou estabelecidas no território da União” (6); “a todas as pequenas e médias empresas cotadas em bolsa, bem como às pequenas e médias empresas de alto risco” (7); e, ainda “às grandes empresas, às pequenas e médias empresas cotadas em bolsa e às pequenas e médias empresas que operem em setores de alto risco, que sejam regidas pelo Direito de um país terceiro e não estejam estabelecidas no território da União, sempre que operem no mercado interno, vendendo bens ou prestando serviços” (8). Desta forma, podemos afirmar que o âmbito de aplicação da proposta é bastante abrangente, chegando a diferentes empresas e diferentes realidades dentro e fora do espaço da União Europeia. É ainda de salientar que o termo “alto risco” não se encontra nas definições desta proposta, o que poderia ser interessante de se verificar para melhor interpretação deste conceito.

Quanto ao dever de diligência, este  implica um processo de monitorização com base no risco, que pretende a identificação e avaliação: da probabilidade, gravidade e urgência dos efeitos potenciais ou reais nos direitos humanos, no ambiente e na boa governação; da natureza e o contexto das operações destas empresas,  incluindo uma determinação das suas operações e relações empresariais que causem, contribuam ou estejam diretamente ligadas a reais ou potenciais efeitos negativos (9). Desta forma, as empresas deverão:

– Especificar os efeitos negativos, potenciais ou reais, nos direitos humanos, no ambiente e na boa governação suscetíveis de estar presentes nas suas operações e relações empresariais;

– Cartografar a sua cadeia de valor e divulgar publicamente informações que se mostrem pertinentes sobre a cadeia de valor da empresa, respeitando sempre a confidencialidade de algumas informações;

– Adotar e indicar políticas e medidas proporcionais e adequadas de modo a fazer cessar, prevenir ou atenuar os efeitos negativos, potenciais ou reais, nos direitos humanos, no ambiente ou na boa governação; e

– Estabelecer uma estratégia de definição de prioridades com base nos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos (10).

Podemos, também, encontrar deveres para os Estados-Membros como o de designarem uma ou mais autoridades nacionais que ficarão encarregues de supervisionar a aplicação da lei nacional que fará a transposição da diretiva e difundirem boas práticas relacionadas com o dever de diligência (11). Para além disto, deverão existir autoridades competentes nos Estados-Membros para efetuar inquéritos que permitam assegurar que as empresas cumprem com as obrigações presentes, incluindo aquelas que declararam não terem identificado potenciais ou reais efeitos negativos (12). Segundo o artigo 13.º n.º 1, “essas autoridades competentes devem ser autorizadas a efetuar controlos às empresas e a entrevistar as partes interessadas afetadas ou potencialmente afetadas ou os seus representantes. Esses controlos podem incluir a análise da estratégia da empresa em matéria de dever de diligência, do funcionamento do mecanismo de reclamação e inspeções no local” (13).

Verifica-se ainda nesta proposta que as empresas devem prever a existência de mecanismos de reclamação. Estes deverão “ser legítimos, acessíveis, previsíveis, seguros, equitativos, transparentes, compatíveis com os direitos e adaptáveis” (14), funcionando como um “mecanismo de alerta precoce contra os riscos e sistema de mediação, que permita a qualquer parte interessada manifestar preocupações razoáveis com a existência de um efeito negativo, potencial ou real, nos direitos humanos, no ambiente ou na boa governação” (15).

No que diz respeito às sanções, a proposta afirma que estas deverão ser “efetivas, proporcionadas e dissuasivas e ter em conta a gravidade das infrações cometidas e o facto de a infração ter ou não ocorrido repetidamente” (16). Preveem, por isso, a possibilidade de as autoridades nacionais competentes poderem: aplicar coimas calculadas com base no volume de negócios da empresa; apreender mercadorias; excluir a empresa de forma temporária ou indefinida de contratos públicos, de auxílios estatais e de regimes de apoio público. Preveem ainda a eventualidade de aplicação de outras sanções administrativas que possam ser adequadas. Também se encontra previsto que os “Estados-Membros devem assegurar que dispõem de um regime de responsabilidade ao abrigo do qual as empresas podem, nos termos do Direito nacional, ser responsabilizadas e proceder à reparação de quaisquer danos decorrentes de efeitos negativos, potenciais ou reais, nos direitos humanos, no ambiente ou na boa governação que tenham causado ou para os quais tenham contribuído por atos ou omissões” (17). Neste sentido e em conformidade com os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, o exercício da devida diligência pode constituir uma defesa contra a responsabilidade das empresas, mas o texto (artigo 10.º n.º 1) prevê que “o facto de uma empresa respeitar as suas obrigações em matéria de dever de diligência não a exonera da eventual responsabilidade em que pode incorrer nos termos do Direito nacional” (18).

É desta forma que se assenta as primeiras pedras daquela que será a primeira norma juridicamente vinculativa a nível europeu que prevê um dever de diligência em matéria de direitos humanos e ambiente. Esta é uma diretiva ambiciosa, mas que carrega consigo o legado construído por John Ruggie e pela sua equipa nos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos. Esta diretiva é também o resultado de uma evolução económica, social e política no sentido da sustentabilidade. Aguardaremos com muita curiosidade aquela que será a diretiva final, que se prevê ser apresentada ainda durante o ano de 2021.

Referências:

Catalão, M. N. (abril 2021). A proposta de Diretiva da União Europeia para a obrigatoriedade de Due Diligence em matérias de Direitos Humanos e em matérias Ambientais. Disponível em: https://www.servulo.com/xms/files/00_SITE_NOVO/01_CONHECIMENTO/01_

PUBLICACOES_SERVULO/2021/A_proposta_de_Diretiva_da_Uniao_Europeia_para_a_

obrigatoriedade_de_Due_Diligence_em_materias_de_Direitos_Humanos_e_em_materias_Ambientais.PDF

Low, J. E. & Tan, S. (março 2021). EU Mandatory Environmental and Human Rights Due Diligence Law – What You Need To Know. Disponível em: https://www.natlawreview.com/article/eu-mandatory-environmental-and-human-rights-due-diligence-law-what-you-need-to-know

Nadal, E. (abril 2021). ESG: a caminho de um modelo europeu para as empresas. Disponível em: https://www.dinheirovivo.pt/opiniao/esg-a-caminho-de-um-modelo-europeu-para-as-empresas-13615846.html

Resolução do Parlamento Europeu, de 10 de março de 2021, que contém recomendações à Comissão sobre o dever de diligência das empresas e a responsabilidade empresarial (2020/2129(INL)), Dever de diligência das empresas e responsabilidade empresarial, P9_TA-PROV(2021)0073. Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/JURI-PR-657191_PT.pdf 

Notas de rodape:

  1. Resolução do Parlamento Europeu, de 10 de março de 2021, que contém recomendações à Comissão sobre o dever de diligência das empresas e a responsabilidade empresarial (2020/2129(INL)), Dever de diligência das empresas e responsabilidade empresarial, P9_TA-PROV(2021)0073.
  2. Lise Smit, Claire Bright, Robert McCorquodale, Matthias Bauer, Hanna Deringer, Daniela Baeza-Breinbauer, FranciscaTorres-Cortés, Frank Alleweldt, Senda Kara and Camille Salinier and Héctor Tejero Tobed para a Direcção-Geral da Justiça e dos Consumidores da Comissão Europeia, Study on due diligence requirements through the supply chain: Final Report, 24 fevereiro 2020. Disponível em: https://op.europa.eu/en/publication-detail/-/publication/8ba0a8fd-4c83-11ea-b8b7-01aa75ed71a1

  3. Proposta de diretiva do Parlamento Europeu relativa ao dever de diligência das empresas e à responsabilidade empresarial, artigo 1.º n.º 2.
  4. Ibid., artigo 1.º n.º 2.
  5.  Ibid., artigo 1.º n.º 2.
  6. Ibid., artigo 2.º n.º 1.
  7. Ibid., artigo 2.º n.º 2.
  8. Ibid., artigo 2.º n.º 3.
  9. Ibid., artigo 4.º n.º 2.
  10. Ibid., artigo 4.º n.º 4.
  11. Ibid., artigo 12.º n.º 1.
  12. Ibid., artigo 13.º n.º 1.
  13. Ibid., artigo 13.º n.º 1.
  14. Ibid., artigo 9.º n.º 2.
  15. Ibid., artigo 9.º n.º 1.
  16. Ibid., artigo 18.º n.º 1.
  17.  Ibid., artigo 19.º n.º 2.
  18. Ibid., artigo 19.º n.º 1.

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Citação sugerida: A. Duarte “Proposta de Diretiva relativa ao Dever de Diligência das Empresas e a Responsabilidade Empresarial”, Nova Centre on Business, Human Rights and the Environment Blog, 10 Maio 2021.